A Ilha de Aradia fica no meio do oceano pacífico, cercada por uma pequena floresta e afastada do continente que poucos se atreviam a atravessar o oceano para visitá-la. As ruas eram cobertas por pedras com desenhos estranhos que pareciam anunciar histórias não contadas e mistérios do passado. Na parte central da ilha, o renomado psiquiatra Dr. Toni Motti dedicava sua vida a explorar a mente humana e os intrincados labirintos do eu. Porém, ele, logo, estaria envolto em uma complexa trama de mistérios que desafiariam não apenas suas convicções, mas também a própria essência da identidade.
Toni sempre foi fascinado pela ideia de que cada um de nós poderia ter um duplo. Tudo começou quando assistiu ao filme O Duplo, que narrava à história de um homem que estava paranoico quando um clone dele começa a trabalhar no mesmo escritório. Essa história não saía de sua mente, começou a creditar haver em algum lugar desse vasto universo, uma cópia sua vagando por aí. Toni agora era um homem atormentado pela ideia de doppelgängers sobrenaturais, mergulhando na dualidade que todos carregamos: luz e sombra, amor e ódio, razão e emoção. Ele, como psiquiatra, sabia muito bem disso.
Essa obsessão por duplos o levou a trabalhar com pacientes que haviam vivenciado diversos traumas, principalmente relacionados a visões, convencido de que, ao confrontarem seus medos, poderiam se libertar deles e de toda corrente invisível que os aprisionavam. Em uma noite de ventania, enquanto revisava antigos casos, Toni deparou-se com o diário de uma paciente chamada Clarina, uma artista que havia partido tragicamente. Em suas páginas amareladas, Clarina narrava encontros muito estranhos com certa mulher idêntica que surgia nos momentos de intensa angústia emocional. A artista acreditava cegamente que essa entidade carregava sua dor e sua essência criativa, refletindo inseguranças profundas.
Movido pela curiosidade incontrolável, Toni decidiu investigar a história de Clarina. Começou a entrevistar amigos e familiares, no início a família achou estranha a atitude do médico, mas logo contribuíram respondendo às perguntas de Toni. E, à medida que desvendava a vida de Clarina, notou que a linha entre passado e presente começou a se embaçar. Havia algo estranho naquela história, algo sombrio e tenebroso.
Um amigo de Clarina mencionou um quadro inacabado que estava jogado nos fundos da casa onde Clarina morou pela última vez. O médico foi até a dita casa e encontrou um quadro todo empoeirado, fedendo a mofo. Era realmente uma pintura que capturava a essência da artista, mas que agora parecia ter vida própria. Toni conhecia os quadros de Clarina, porque nas consultas ela sempre levava um esboço para mostrar ao médico, chegou até a dar um de presente para ele, mas logo ele jogou fora, não gostou e achou irrelevante artisticamente.
O local e a obra de Clarina mostrava o abandonado, uma aura pesada e desconcertante, como se o espaço estivesse congelado em um momento de dor. Vasculhando as telas espalhadas pelo chão empoeirado, ele encontrou uma pintura incompleta. Era um retrato de Clarina, mas algo estava errado. A mulher retratada parecia olhar diretamente para ele, como se soubesse de sua existência. Era realmente uma pintura perfeita, como uma mente consegue fazer um autorretrato tão perfeito, com um olhar tão profundo e apelativo, pensou.
Naquela noite, Toni retornou a sua casa com mais dúvidas do que certeza, e teve um sonho perturbador. Ele se viu caminhando pelas ruas de Aradia e fixava seu olhar nos desenhos estranhos das ruas. Uma nuvem escura saia da floresta e dançava entre os desenhos. De repente, Clarina surgiu diante dele, sua expressão repleta de desespero, implorando socorro, estendeu sua mão para que o médico pudesse tocá-la. Ao fazer isso, Toni tomou um choque e acordou.
Ao despertar, Toni percebeu que a experiência havia deixado não apenas marcas profundas em sua mente, mas também, uma marca em sua coxa direita. Chegou a pensar que deveria ter se debatido na cama, era a única explicação para aquela marca em sua coxa. Desde então, Toni começou a notar mudanças em seu comportamento. Olhos estranhos pareciam segui-lo pelas ruas de Aradia.
Quando passava em frente a lojas no comércio, via reflexos distorcidos nas vitrines, revelando uma versão de si que não reconhecia. Como psiquiatra, Toni questionou sua própria sanidade mental, enquanto as noites seguintes se tornaram repletas de pesadelos incessantes, onde a figura de Clarina o arrastava para um clima hostil, como inimigo.
E tudo voltou à tona, as histórias de duplicatas começaram a fluir na mente de Toni. Ele recordou o filme, que perpetuou em sua mente durante anos, lembrou-se de antigas narrativas sobre clones e experiências científicas, mescladas com a rica mitologia da cidade. Chegou até mesmo a lembrar de uma novela que passou na TV a cabo, O Clone, de uma rede de televisão famosa no Brasil. Seria possível que ele tivesse encontrado seu próprio duplo? Estava confuso. E aquela marca em sua coxa direita? Teria sido provocada por uma queda na cama durante seus pesadelos? Seria um sinal indicativo de sua quase certeza? Ou talvez a influência de Clarina o estivesse levando a um abismo psicológico, um lugar repleto de ilusões e desespero?
Os questionamentos só aumentavam. Decidido a enfrentar sua própria dualidade, Toni organizou uma exposição em homenagem à Clarina, a família achou estranho. Planejava revelar a pintura que deixou Clarina inquieta e ele mesmo ficou atordoado com aquele olhar fascinante da pintura. A noite da inauguração atraiu inúmeros visitantes e curiosos, a história da obsessão do médico já se espalhara pela ilha. Ao contemplar a obra, todos pareciam fascinados com o olhar hipnotizante pintado na tela, exceto por uma mulher que se destacava na multidão, alguém uma que lembrava intensamente Clarina.
Toni ficou assustado ao ver aquela mulher e aproximou-se lentamente. “Quem é você? Nunca a vi aqui pela ilha” ele perguntou, com a voz trêmula. A mulher sorriu, sua expressão era um intrigante misto de mistério e incompreensão. — “Você não consegue adivinhar? Venha comigo, vou mostrar quem eu sou.” As palavras da mulher reverberaram na mente de Toni, e naquele instante, ele resolveu segui-la. Saíram da exposição e caminharam sobre as ruas cobertas por pedras com desenhos estranhos. A mulher parou e mostrou os desenhos na calçada e pediu para ele comparar com o desenho em sua coxa.
Toni estava atordoado e começou a ver o mundo girar em sua cabeça, a luta interna que ele enfrentava não era apenas uma busca por respostas. Intrigado e preocupado, perguntou para a mulher como ela sabia do desenho em sua coxa. E começou a ficar com a visão embaçada. Desesperado, decidiu retornar a exposição, mas algo se mexia atrás dele, distorcendo-se em uma figura familiar. Seu coração disparou. Ao se virar, encontrou apenas o vazio, mas sentiu que não estava sozinho. Procurou pela mulher, mas ela já não se encontrava ali. Sumiu da mesma forma que apareceu.
De repente, viu a si, como seria possível aquilo? Tomou apenas dois drinks, não poderia estar bêbado. Percebeu que não estava a caminho da exposição e sim da floresta. Era um doppelgänger que ele tanto temia, não era uma entidade externa, e nem embriaguez, mas o seu doppelgänger. Era como se estivesse diante de um grande espelho, ou em frente a um suposto irmão gêmeo. Com um sorriso perturbador no rosto, o seu duplo sorria cinicamente, com um riso sarcástico. Toni percebeu que a exposição, mais do que uma homenagem à Clarina, foi um convite e uma armadilha que ele caiu como uma criança ingênua.
Com um grito ele se jogou contra o seu duplo, mas já era tarde, no momento do impacto, uma luz saiu da floresta. Estava completamente absorvido em sua loucura, já não sabia mais o que era fantasia ou realidade. Caiu sobre a relva e rasgou suas calças, viu a marca na sua coxa e procurou um sentido, uma associação entre o duplo e a marca. Não compreendia mais nada, estava completamente entregue a seu destino. Clarina apareceu com o seu respectivo duplo e estendeu-lhe as mãos. — “venha comigo, está na hora de descansar, você já está vencido, agora é vez de outro ficar em seu lugar.” Tentava pensar em explicações racionais, para compreender o que estava acontecendo e o que aquela mulher falava, parecia incompreensível.
Toni estava sangrando muito na coxa direita, justamente no local da marca, e sem esboçar forças seguiu Clarina na floresta. O sangramento o fez perder suas forças. Parou e viu o seu duplo, seguindo a caminho da exposição, assumir o seu lugar. Toni percebeu que sua loucura havia absorvido a sua mente e que as vozes dos doppelgängers se entrelaçaram com as dos vivos e tudo isso fazia parte da atual experiência humana na terra era seu Game over.